quinta-feira, 12 de julho de 2018

DIFERENÇAS CULTURAIS ENTRE BRASIL E JAPÃO

Hábitos e costumes de qualquer sociedade, ou seja, seus aspectos consuetudinários, variam no tempo e no espaço. Algo que é aceito em certas épocas pode ser condenável em outras, e vice-versa. O que é usual em certas culturas orientais pode ser inusual para nós, ocidentais. Ao ler o livro Stupeur et tremblements, de Amélia Nothomb, escritora de origem belga, nascida no Japão em 1967, surpreendi-me com a grande incidência de diferenças culturais, na contemporaneidade, entre o Ocidente e o Oriente.

A autora, filha de uma ilustre família belga, viveu no Japão até os cinco anos de idade. Depois disso, acompanhou seu pai, barão e ex-embaixador em Roma, nas andanças diplomáticas mundo afora : Nova Iorque, Pequim, Laos, Bangladesh, Birmânia... Instalou-se posteriormente na Bélgica, durante 17 anos, para concluir seus estudos em Filologia Romana. Logo depois, decidiu trabalhar como intérprete em uma grande empresa de Tóquio. Foi agraciada com o prêmio de melhor romancista do ano pela Academia Francesa, graças à publicação do romance que ora veremos, intitulado Stupeur et tremblements, publicado em 1999. Trata-se do relato de sua experiência sob os rigorosos códigos de conduta da cultura nipônica, muitos deles incompreensíveis e/ou inaceitáveis, a seu ver. Ela registra gafes, surpresas, incompreensões, anseios e inseguranças de uma novata estrangeira, dentro de uma grande empresa, cujo ambiente, além de desconhecido, é altamente hierarquizado e opressor.
(Amélie Nothomb, nascida em 1967)

A história se passa em Tóquio, entre 7 de janeiro de 1990 e 7 de janeiro de 1991, dentro de uma empresa chamada Yumimoto, para a qual ela foi contratada. Amélie Nothomb (personagem, narradora e autora) pinta satiricamente, de maneira impiedosamente hilária, as diferenças culturais entre os dois mundos nos quais circula. Seu estilo leve e jocoso torna a leitura agradável até mesmo nos momentos mais degradantes, nos quais ela se encontra no fundo do abismo, mergulhada num pesadelo que lhe serviu como tema para esse romance autobiográfico.

Devido à inaceitação dos hábitos ocidentalizados da nova empregada, por parte das chefias, ela tem uma queda vertiginosa na hierarquia da empresa. Apesar de ter sido contratada como tradutora e intérprete, passa por várias funções, cada vez mais degradantes, até chegar a uma função para a qual não precisaria de diplomação alguma: faxineira dos banheiros.

Submetida a constantes constrangimentos e humilhações, Amélie percebe claramente o menosprezo por parte dos que a cercam, devido a suas atitudes ocidentalizadas. Por vezes notava até mesmo certa repugnância pelos ocidentais. Por exemplo, quando aborda a questão da transpiração, absolutamente inaceitável para os japoneses. Não há nada mais vergonhoso e vulgar que transpirar. « Nous ne pourrions pas les empêcher de suer. C’est leur race. – Chez eux, même les belles femmes transpirent. » (Não poderíamos impedi-los de suar. É da raça. Entre eles, até mesmo as belas mulheres transpiram.) A autora acrescenta ironicamente que entre transpirar e se suicidar se deve priorizar a segunda opção, pois, após a morte, a angústia da transpiração acabará pelo resto da eternidade.

Vejamos algumas particularidades interessantes :

Inaceitação da presença de pelos no corpo, por parte dos asiáticos. « Não há nada mais imundo que ter pelo do corpo. »

A obesidade também é desprezante e vergonhosa. Os obesos são ridicularizados.

O cúmulo da grosseria para eles é assoar o nariz em público. Quanto a isso, todos nós concordamos como grosseria, mas não como o cúmulo da.

Há detalhes que, para nós, não têm nenhuma relevância, mas, para eles, são importantíssimos. Por exemplo, o usuário do banheiro deve apertar o botão da descarga, sem cessar, durante o pipi, para que ninguém ouça o ruído da urina.

Quanto aos nomes próprios, eles podem ser derivados de qualquer categoria gramatical. Por exemplo, o filho do personagem Saito se chama « Trabalhar ». Pode-se registrar o nome de um filho a partir de um adjetivo, substantivo, verbo, advérbio...

As crianças podem ser tratadas como pequenos deuses, com todas as regalias, somente até os três anos. Segundo a autora, as crianças recebem um « golpe seco », poderíamos dizer « cruel », ao serem expulsas do paraíso da infância, para se inscrever no serviço militar, que vai dos 3 aos 18 anos e dos 25 anos até a morte.

Toda mulher deve se casar até os 25 anos, como se o prazo de validade vencesse nessa idade. Caso continue celibatária, é motivo de deboches. A autora enfatiza a degradante condição feminina no Japão. Ela explica a incoerência do sistema japonês com relação à mulher, que deve ser perfeita, no trabalho, com dedicação total e absoluta, o que a leva a ultrapassar a idade de 25 anos, por falta de tempo para um relacionamento. Justamente pelo fato de ser perfeita no trabalho, ela se torna imperfeita ou defeituosa (sem marido), aos olhos da sociedade. Segundo Amélie, a vida das mulheres japonesas não vale a pena ser vivida nem antes, nem depois do casamento. Ela chega a se admirar pelo fato de não haver suicídio feminino em massa. O fato de uma mulher optar pela vida e não pelo suicídio, na opinião da autora, é um ato de resistência e de coragem. Acrescenta que o suicídio, cuja taxa é altíssima, no Japão, é visto como atitude honrosa, naquele país. « Si tu te suicides, ta réputation sera éclatante et fera la fierté de tes proches. » (Se tu te suicidas, tua reputação será deslumbrante e fará o orgulho de teus próximos.)

No cotidiano da empresa, Amélie faz o possível para agradar a todos, sem se dar conta de que acontece justamente o contrário. Ela não sabia que nunca se deve saltar um degrau da hierarquia, ou seja, o empregado só tem direito de se dirigir à sua chefia imediata. Não sabia tampouco que a submissão é absoluta. Por exemplo, um crime grave de iniciativa, cometido por ela, foi o de distribuir a correspondência, sem ter pedido a permissão do chefe. Ela desconhecia o fato de que, em momento algum, um subalterno pode retrucar ou questionar alguma ordem recebida de um superior, mesmo que seja totalmente estapafúrdia.

Houve um momento, em que ela tentou se manifestar a favor de um colega de trabalho incriminado injustamente dentro da empresa. Ordenaram-lhe, em tom peremptório, que se calasse. Tal ordem foi seguida de um comentário preconceituoso: « Ce pragmatisme odieux est digne d’un occidental » (esse pragmatismo odioso é digno de um ocidental).

Os chefes são, ao mesmo tempo, escravos e carrascos do sistema. Fubuki, chefia direta de Amélie, deixa-lhe bem claro que não existe amizade dentro de uma empresa. O que pode existir é uma boa relação entre colegas. Amélie é oprimida ao máximo por Fubuki, que, por sua vez, o é por parte de seu chefe, Saito. Este se submete aos caprichos de Omochi e todos eles devem submissão absoluta ao chefe supremo Haneda.

A autora escolheu o título Estupor e tremores justamente para ironizar o excesso de submissão existente no país. Ele explica, na página 171, que, no antigo protocolo imperial japonês, era estipulado que se deveria dirigir ao imperador com estupor e tremor.

A tradução literal do título não foi respeitada. Ele foi traduzido para o português como Medo e submissão. Sabe-se que « estupor » (assombro, grande espanto) é bem mais forte que medo. « Tremor » é bem diferente de submissão, mas a solução encontrada em português para o título traduz melhor o conteúdo do livro que o título original.

(Capas do livro)

Às vezes, Amélie se comportava desse modo (fazia cara de espanto e tremia falsamente), diante de Fubuki, que não atinava com a ironia de sua subalterna. Quanto mais era maltratada e humilhada, mais tinha vontade de rir. Dentro da empresa ela se sentia como personagem de um filme.

Indignados com o rebaixamento aviltante de Amélie à faxina dos banheiros do 44º andar, onde trabalhavam, alguns colegas fizeram um boicote, considerado pelas chefias como sabotagem. Passaram a usar os banheiros dos outros andares, o que acarretava perda de tempo e, por conseguinte, redução na produção do trabalho. A autora aproveitou o ensejo para registrar que o mais grave delito nipônico, a sabotagem, é um crime tão odioso que não existe uma palavra em japonês que possa exprimir tamanho aviltamento. Usam então um termo francês: « sabotage ». Na opinião deles, « il faut être étranger pour imaginer pareille bassesse » (é preciso ser estrangeiro para imaginar tal baixeza).

Há muitos outros aspectos interessantes a serem focalizados no livro. Encerramos esta resenha citando mais um costume diferente dos nossos, vivenciado pela narradora nos últimos dias de contrato com a empresa, no final de 1991. Durante a passagem de ano, todos respeitam um repouso ritual e obrigatório de três dias e três noites, período em que não se pode nem mesmo cozinhar. Comem-se pratos frios, preparados anteriormente.

Poucos dias depois do réveillon, Amélie Nothomb volta para a Bélgica e começa sua carreira como escritora. Hoje, apesar de ainda jovem, tem mais de 30 títulos no mercado, alguns deles traduzidos em diversas línguas e outros com adaptação para o cinema.
Jô Drumond