domingo, 24 de setembro de 2017

CIDADE INSÓLITA


A concepção de cemitério como cidade de repouso eterno, como se vê nas fotos, é bem mais humanizada e menos dolorosa para aqueles que cultuam os entes queridos que já se foram. Doi muito o fato de imaginar que uma pessoa amada se encontra sob sete palmos de terra, carcomida por vermes. Nessa cidade insólita, tem-se a ilusão de que cada família possui um domicílio fixo na eternidade, o que é menos traumático. Ali não se enterra, após o velório. O pranteado vai se juntar aos seus, numa nova morada, que, apesar de exígua, tem espaço suficiente para manter a família unida. Cada gaveta dos mausoléus corresponde a um quarto da pequena casa (ou capela) onde os antepassados dormem placidamente, aguardando os demais que um dia virão se juntar a eles.

O “Cimetière Marin de Saint François” (Cemitério Marinho de São Francisco), como é chamado, é um dos pontos turísticos da cidade de Bonifácio, no sul da Córsega, visitado anualmente por meio milhão de turistas. Fica no topo de uma falésia, com vista para o mar, voltado para o poente. É um dos mais belos cemitérios do Mediterrâneo. Não se trata de um local triste; parece uma pequena cidade, com ruas e praças bem cuidadas.

Se a morte fosse aceita com naturalidade, não se sofreria com a perda de alguém. Essa é uma questão mal resolvida em quase todas as religiões, e também por quem que não professa religião alguma. Pode haver resignação, mas falta aceitação.

Tive um professor de filosofia que me deu uma explicação plausível. Segundo ele, o “homo sapiens” (com cérebro bem desenvolvido) é simplesmente uma aberração da natureza, pois, tendo as mesmas limitações dos animais irracionais, não deveria ter cognição. É isso que o faz sofrer. Os demais animais vivem por viver, sem reflexões ou filosofices. O ser humano é mais complexo. Tem consciência da efemeridade da vida, da inexorabilidade da morte, do sentido ou da falta do sentido de tudo.

A viagem sem volta à qual estamos todos fadados, rumo à grande incógnita, não tem ponto final; apenas de interrogação.

Jô Drumond